
Kriol
O crioulo da Guiné-Bissau
A Guiné-Bissau, um dos países dos PALOP mais esquecido, e só lembrado em notas de rodapé através da comunicação social pelo seu conturbado percurso político, merece ser destacado, e em contraponto, pelo seu rico património natural e pelas suas gentes, fruto de um tecido étnico e multicultural, que através de séculos tem vindo a preservar um património cultural material e imaterial, que por si mostra a identidade de um país e de um povo.
Não sendo especialista em linguística, mas como historiadora e vivendo parte do ano na Guiné-Bissau, não posso deixar de escrever sobre o idioma mais falado neste país, por mais de 90% da população e no seu dia-a-dia.
A língua oficial na Guiné-Bissau é o português, mas devido à heterogeneidade do país, o idioma de comunicação no quotidiano é o crioulo, uma língua de tradição oral e menos de tradição escrita. Algo que está a mudar através sobretudo dos vultos da cultura guineense.
Não me cabe aqui elaborar uma tese sobre a preservação da língua portuguesa neste território, mas sim dar a conhecer este património imaterial da Guiné-Bissau, ressalvando sempre que a língua oficial é o português.
Segundo os especialistas o crioulo guineense tem por base a língua portuguesa, com certeza parte fruto da míscigenação portuguesa com os nativos à época.
Outros são os dialetos que ajudaram a construir esta língua tais como os falados pelas etnias manjaca, mandinga e papel.
Algumas localidades do vizinho Senegal, com o qual faz fronteira a Norte, a zona de Casamança sobretudo, fala-se ainda crioulo com base na língua portuguesa.
A realidade linguística da Guiné-Bissau passa por uma maioria de falantes do crioulo, no país inteiro assistiu-se a mudanças após a descolonização, e à independência do país, os meios e veículos de divulgação, como a música popular é cantada em crioulo por exemplo.
O maior media guineense, a rádio, emite em crioulo a maior parte dos seus programas assim como a imprensa escrita e a televisão.
Esta relação do povo com a língua oficial e as línguas francas observam-se em outros países, onde naeducação a formal e em instituições oficias e do estado se fala e escreve em português, e em casa ou fora desta esfera formal naturalmente se usa asegundalíngua, que acaba por ser a primeira.
Vivendo na Guiné-Bissau há dois anos e sendo professora na capital do país, Bissau, nas aulas (falo no ensino universitário) só se exprime em português, seja de forma oral ou escrita, assim que a aula acaba de imediato os alunos e professores falam crioulo entre si.
Na rua, no quotidiano, pelas ruas, nas lojas, mercado, nas zonas rurais, semi-urbanas ou ilhas, em instituições estatais e nas privadas, mesmo nos cultos religiosos ou outros de cariz cultural constata-se a prevalência do crioulo, nalgumas circunstâncias cruzam-se nas conversas as duas línguas. Encontramos um número reduzido de falantes da língua portuguesa, sobretudo entre as chamadas elites que também dominam outras línguas.
É uma língua que nos cativa e que ouvindo de forma recorrente torna-se percetível, sobretudo para quem fala português.
Não vou abordar a questão complexa da sistematização e do ensino bilingue, como escrevi em cima, mas realçar o facto da língua ser parte integrante do desenvolvimento de um país da sua cultura e tradições.
No âmbito da 3º jornada da Kriolofonia, que ocorreu em Bissau, no mês de Maio, foram debatidas ideias, em encontros temáticos, para a construção de caminhos por forma a dar espaço à normatização do crioulo guineense.
Reuniu sociólogos, investigadores e participaram vários cidadãos portugueses a trabalhar na Guiné-Bissau, bem como o Camões, Instituto da Cooperação e da Língua Portuguesa e o Centro Cultural Português.
Curiosidade
Algumas frases em crioulo da Guiné:
Kuma ke bu sta? – Como é que está?
Kuma di kurpu? – Como vai o corpo?
Sta dritu. – Está bem, está direito
No na bai. – Nós vamos (no sentido de ir embora)
Bom dia,
gostaria por gentileza de pedir-lhes ajuda com um pequeno projeto lingüístico.
O projeto é este. Tenho um poema cuja estrutura permite identificar os componentes semânticos das frases e assim comparar línguas. Não falo crioulo, mas usando vários dicionários na internet traduzi a peça ao crioulo guineense. Eis aqui o poema em inglês (a versão original), português e crioulo guineense:
The Blind Hermit
I have no friends; my friends are my senses.
I have no enemies; my enemy is absent-mindedness.
I have no allies; the stick that guides my steps is my ally.
I have no companions; the sea is my companion.
I have no songs; I hear the birds in the wood.
I know no tales; the wind and the rain whisper to me.
I have no books; my memories are my books.
I have no games; my game is life.
I have no mother; my mother are the plants and the streams that sustain me.
I have no father; the cave that shelters me is my father.
I have neither master nor disciples; I am both myself.
I have no quarrel with anyone; I rarely speak.
I do not fall sick; the only true disease is doubt.
I pray to none; my belief is that which I know.
O eremita cego
Eu não tenho amigos; os meus amigos são os meus sentidos.
Eu não tenho inimigos; o meu inimigo é a distração.
Eu não tenho aliados; a bengala que guia os meus passos é o meu aliado.
Eu não tenho companheiros; o mar é o meu companheiro.
Eu não tenho canções; escuto as aves da mata.
Eu não sei conto nenhum; ouço o vento e a chuva.
Eu não tenho livros; as minhas lembranças são os meus livros.
Eu não tenho jogos; o meu jogo é a vida.
Eu não tenho mãe; a minha mãe são as plantas e os rios que me sustêm.
Eu não tenho pai; a caverna que me abriga é o meu pai.
Eu não tenho mestre nem discípulos; eu mesmo sou os dois.
Eu não estou brigado com ninguém; falo pouco.
Eu não fico doente; a única doença real é a dúvida.
Eu não rezo a ninguém; a minha fé está naquilo que eu sei.
Segu ke vivi i dingi
Ami n’ ka tene amigu; nha amigu i nha sintidu.
Ami n’ ka tene inimigu; nha inimigu i distrason.
Ami n’ ka tene ningin ke ta da juda; po ke gia nha pasu ta da juda.
Ami n’ ka tene kumpanheru; mar i nha kumpanheru.
Ami n’ ka tene kantu; ami obi kacu na matu.
Ami n’ ka sibi storia; bentu ku cuba …
Dá para dizer “me sussurram” em crioulo (igual ao inglês “whisper to me”)?
Ami n’ ka tene livru; nha lembransa i nha livru.
Ami n’ ka tene jugu; nha jugu i vida.
Ami n’ ka tene mame; nha mame i planta ku riu ke ta da di kume ku bibi.
Ami n’ ka tene pape; koba di montanha ke ta guarda i nha pape.
Ami n’ ka tene mestri o disipulu; ami propi i tudu dus.
Ami n’ ka diskuti ku ningin; ami n’ ta papia manga.
Ami n’ ka duenti; uniku duensa di barbadi i duvida.
Ami n’ ka ora na ningin; nha fe i kil ke sibi.
Poderiam ajudar-me a completar e redigir a versão em crioulo guineense?
Da minha parte, caso lhes interessa, tenho o poema em outras línguas e dialetos e terei prazer em mandar-lhes o arquivo com todas as traduções.
Cordiais saudações,
Alejandro Rodón