
Nas poucas ocasiões em que a «Questão de Olivença» é assunto de conversa ou objecto de notícia nos media, verifica-se que o assunto, além de ser entendido como menos relevante, até risível, suscita os maiores equívocos e apresenta-se envolto em acentuado desconhecimento. Designadamente no que toca à legitimidade e pertinência da soberania portuguesa.
Ora, se o enquadramento jurídico-diplomático da Questão de Olivença continua a causar profundo incómodo nas relações luso-espanholas (muito mais do que a hipocrisia e cautelas das chancelarias permite revelar), é curial que sobre o tema se produza uma melhor aproximação e, logo, um melhor esclarecimento.
No que importa para a atitude que tem de ser a do Estado português, tudo resulta do facto – desconhecido habitualmente – de Olivença ser, para a nossa ordem jurídica, uma parte do território nacional.
Independentemente, pois, do resultante de quaisquer normas internacionais, aliás insofismavelmente legitimadoras da posição portuguesa.
De facto, o Tratado de Badajoz de 1801 que concedia o território a Espanha foi denunciado (declarado «nulo e de nenhum vigor») pelo Manifesto de 1 de Maio de 1808.
Por este acto legislativo, jamais revogado e plenamente em vigor, a assunção da nossa soberania sobre o território passou a constituir Direito interno, necessariamente vinculativo.
O que, no devir histórico, encontrou sempre consagração nas constituições portuguesas, nomeadamente na actual que, absolutamente, atendeu a essa assunção, indicando que «Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu» (art.º 5.º-1, aspecto assinalado pelos nossos constitucionalistas, cf. Jorge Miranda, «Manual Dir. Constitucional», Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada»), proclamando que «o Estado não aliena qualquer parte do território português» (art.º 5.º-3) e estabelecendo que é «tarefa fundamental do Estado (…) garantir a independência nacional» (art.º 9.º), «assegurar a defesa nacional» e, com esta, «a integridade do território» (273.º).
Tendo a Constituição portuguesa o cuidado de estabelecer e proclamar, nestes termos, os nossos limites territoriais e as obrigações do Estado, salvaguardou os direitos de Portugal sobre o território oliventino e conduziu à obrigação legal de todos os órgãos de soberania e seus titulares, de todo o Estado e dos seus representantes, do mais alto magistrado ao mais modesto funcionário actuarem em conformidade. Mas, necessariamente, esse Direito também se impõe ao cidadão comum, enquanto tal, e vincula-o. O que vale por dizer que estão os órgãos de soberania obrigados à tomada das medidas apropriadas para a retrocessão de Olivença, é vedado às demais instituições públicas e à Administração em geral qualquer conduta que eventualmente possa fragilizar o desiderato constitucional e exige dos portugueses que, como cidadãos, suscitem e pugnem pela resolução do litígio.
É de deixar registado que o Estado, ao longo do tempo que Olivença leva sequestrada, tem cautelosamente publicitado a sua soberania formal: afirmação da Assembleia da República de que «de jure, Olivença é parte de Portugal»; declarações públicas e regulares do Governo sustentando que se mantém «a doutrina jurídico-política que tem sido seguida relativamente ao território de Olivença»; autonomização de Olivença, por parte do Governo, relativamente ao território do país vizinho, quando aquela se encontra abrangida em qualquer empreendimento luso-espanhol; recusa, na Comissão Internacional de Limites, em delimitar a fronteira entre o Rio Caia e a Ribeira de Cuncos; não indicação, na cartografia oficial, desse mesmo limite fronteiriço; parecer do Conselho Consultivo da PGR, homologado, que estabelece que os naturais de Olivença têm direito a Bilhete de Identidade português; decisões judiciais considerando que «o direito do estado português sobre o território oliventino é um dado adquirido face à ordem interna e internacional».
. O Congresso de Viena de 1815
Na ordem internacional continua a vigorar o entendimento assumido e proclamado no Congresso de Viena de 1815 que, reunindo todas as potências beligerantes, entre elas os dois Estados peninsulares, pôs termo às Guerras Napoleónicas e estabeleceu uma nova ordem internacional, decidindo concretamente, a respeito de Olivença, que «Les Puissances, reconnaissant la justice des réclamations formées par S. A. R. le prince régent de Portugal e du Brésil, sur la ville d’Olivenza et les autres territoires cédés à Espagne par le traité de Badajoz de 1801, et envisageant la restitution de ces objets, comme une des mesures propres à assurer entre les deux royaumes de la péninsule, cette bonne harmonie complète et stable dont la conservation dans toutes les parties de l’Europe a été le but constant de leurs arrangements, s’engagent formellement à employer dans les voies de conciliation leurs efforts les plus efficaces, afin que la rétrocession desdits territoires en faveur du Portugal soi effectuée; et les puissances reconnaissent, autant qu’il dépend de chacune d’elles, que cet arrangement doit avoir lieu au plus tôt» (Art.º 105.º do Tratado de Viena, também subscrito por Espanha).
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. A História de Olivença
A origem de Olivença está ligada à reconquista cristã da região fronteira a Elvas pelos Templários idos do Reino de Portugal, cerca do ano de 1230. Nesse território a Ordem criou a comenda de Oliventia, erigindo um templo a Santa Maria e levantando um castelo.
No final do século, pelo Tratado de Alcanices, assinado em 1297 entre o Rei D. Dinis e Fernando IV de Castela, Olivença seria formalmente incorporada em Portugal, para sempre, juntamente com Campo Maior, Ouguela e os territórios de Riba-Côa, em escambo com Aroche e Aracena.
De imediato, D. Dinis elevou a antiga povoação à categoria de vila, outorgando-lhe foral em 1298, determinou a reconstrução da fortificação templária e impulsionou o seu povoamento.
Os seus sucessores reforçaram sucessivamente a posição estratégica de Olivença, concedendo privilégios e regalias aos moradores e realizando importantes obras defensivas. Em 1488 D. João II levantou a impressionante torre de menagem de 40 m de altura.
Em 1509 D. Manuel iniciou a construção de uma soberba ponte fortificada sobre o Guadiana, a Ponte da Ajuda, com 19 arcos e tabuleiro de 450 metros de extensão.
Do reinado de D. Manuel, que deu foral novo em 1510, datam também outras notáveis construções como a Igreja da Madalena (por muitos considerada como o expoente, depois do Mosteiro dos Jerónimos, do manuelino), a Santa Casa da Misericórdia ou o portal das Casas Consistoriais.
Seguindo-se ao esplendor do século XVI português, dá-se a união dinástica filipina, entre 1580 e 1640. A pertença de Olivença a Portugal não é questionada. No dia 4 de Dezembro de 1640, chegada a notícia da Restauração em Lisboa, a praça aclama com júbilo D. João IV e é envolvida totalmente na guerra que se segue (1640/1668), período em que se inicia o levantamento das suas fortificações abaluartadas, cuja construção se dilataria durante a centúria seguinte. No decurso do conflito, Olivença foi ocupada em 1657 pelo Duque de San Germán e, na circunstância, a totalidade da população abandonou a vila e refugiou-se junto de Elvas, só regressando a suas casas quando foi assinada a paz (1668) e as tropas castelhanas abandonaram a praça e o concelho.
O século XVIII inicia-se com um novo conflito bélico – a Guerra da Sucessão de Espanha -, em cujo transcurso foi destruída a Ponte da Ajuda (1709). A posição de Olivença tornou-se assim especialmente vulnerável.
Em 20 de Janeiro de 1801, Espanha, cínica e manhosamente concertada com a França Napoleónica, sem qualquer pretexto ou motivo válido, declara guerra a Portugal e, em 20 de Maio, invade o nosso território, ocupando grande parte do Alto-Alentejo, na torpe e aleivosa «Guerra das Laranjas». Comandadas pelo «Generalíssimo» Manuel Godoy, favorito da rainha, as tropas espanholas cercam e tomam Olivença.
Portugal, vencido às exigências de Napoleão e de Carlos IV, entregou a Espanha, «em qualidade de conquista», a «Praça de Olivença, seu território e povos desde o Guadiana», assinando em 6 de Junho o «Tratado de Badajoz», iníqua conclusão de um latrocínio. «Cedeu-se» Olivença, terra entranhadamente portuguesa que participara na formação e consolidação do Reino, no florescimento da cultura nacional, nas glórias e misérias dos Descobrimentos, na tragédia de Alcácer-Quibir, na Restauração!…
Findas as Guerras Napoleónicas, reuniu-se, com a participação de Portugal e Espanha, o Congresso de Viena, concluído em 9 de Junho de 1815 com a assinatura da Acta Final pelos plenipotenciários, entre eles Metternich, Talleyrand e D. Pedro de Sousa Holstein, futuro Duque de Palmela.
O Congresso retirou, formalmente, qualquer força jurídica a anteriores tratados que contradissessem a «Nova Carta Europeia».
Foi o caso do «Tratado de Badajoz». E consagrou, solenemente, a ilegitimidade da retenção de Olivença por Espanha, reconhecendo os direitos de Portugal.
Na Acta Final, apoio jurídico da nova ordem europeia, prescrevia o seu art.º 105.º:
«Les Puissances, reconnaissant la justice des réclamations formées par S. A. R. le prince régent de Portugal e du Brésil, sur la ville d’Olivenza et les autres territoires cédés à Espagne par le traité de Badajoz de 1801, et envisageant la restitution de ces objets, comme une des mesures propres à assurer entre les deux royaumes de la péninsule, cette bonne harmonie complète et stable dont la conservation dans toutes les parties de l’Europe a été le but constant de leurs arrangements, s’engagent formellement à employer dans les voies de conciliation leurs efforts les plus efficaces, afin que la rétrocession desdits territoires en faveur du Portugal soi effectuée ; et les puissances reconnaissent, autant qu’il dépend de chacune d’elles, que cet arrangement doit avoir lieu au plus tôt».
Espanha assinou o tratado, em 7 de Maio de 1817 e assim reconheceu os direitos de Portugal. Volvidos todos estes anos, o Estado vizinho não deu, porém, provas do carácter honrado, altivo e nobre que diz ser seu, jamais nos devolvendo Olivença.
Mas em terras oliventinas, sofridos dois séculos de brutal, persistente e insidiosa repressão castelhanizante (hoje, falar-se-ia de genocídio e crimes contra a Humanidade…), tudo o que estrutura e molda uma comunidade, a sua História, cultura, tradições, língua, permaneceu e permanece pleno de portugalidade!
Separados do povo a que pertencem, da sua cultura, da sua língua, alienados da Pátria que é a sua, em austeros e silenciosos duzentos anos, os oliventinos preservam o espírito português e demonstram, pelo sentir da maior parte, não renunciar às suas raízes.
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