Com a devida vénia ao nosso Colega Jornal de Oleiros, publicamos hoje a 7a Crónica do Nosso Colunista Mendo Henriques, podendo ver as iniciais da 1ª à 6ª no nosso Colega já mencionado. Trata-se um importante documento que terá tratamento após a guerra ainda em curso.

Crónica da Invasão da Ucrânia, à distância. (VII)

29 março  – Mendo Henriques

. A Rússia ferida pela guerra económica

Após a invasão de 24 de fevereiro, América, União Europeia e Tigres Asiáticos aplicaram sanções pesadas à Rússia com o objetivo de lhe paralisar a economia. Essas sanções visam indivíduos, bancos, empresas, trocas monetárias, transferências bancárias, exportações e importações. Faisal Islam, da BBC News, considera-as uma forma de guerra económica. Empurraram a Rússia para a corrida aos bancos, desvalorização do rublo (mais de 20%) recessão, inflação – já em 25% ao mês.

A sanção mais eficaz e pela primeira vez na história foi o congelamento das reservas do banco central russo. Não é por acaso que Putin recusou na passada semana o pedido de demissão da presidente do Banco, Elvira Naibullina, uma atlantista, e reconduziu-a por mais cinco anos.

Face às consequências brutais da guerra económica, o Kremlin está a regressar às políticas da era soviética, segundo os russos Andrei Soldatov e Irina Bogan, fundadores do Agentura.ru . Nos tempos soviéticos, desde a Sibéria até Sochi, a economia era centralizada. Fábricas e cooperativas agrícolas produziam conforme os planos quinquenais de Moscovo. A nacionalização das empresas com acionistas estrangeiros começou a ser ditada aos poucos por Lenine após 1917 com medidas ad hoc. Desrespeito dos direitos de propriedade, repressão de gestores privados e, finalmente, economia com gestão centralizada.

Agora, ferido pelas sanções violentas do Ocidente em resposta à invasão, Putin começou referir nacionalizações ao terceiro dia da guerra. Dmitry Medvedev há 10 anos era a esperança dos liberais russos, e ostentava os gadgets da Apple. Agora, vice-presidente do Conselho de Segurança, fala da opção de nacionalizar entidades registadas em “países hostis”.

Em 10 de março, Vladimir Putin admitiu a nacionalização dos ativos de 450 empresas estrangeiras. O Kremlin tem uma lista de 60 empresas prioritárias incluindo Shell, IKEA, McDonald’s, Microsoft e Apple. O decreto será em breve enviado à Duma. Já foram aprovadas emendas ao Código Civil sobre propriedade intelectual, permitindo confiscar direitos de estrangeiros.

Tudo isto é um passo mais no caminho da autarquia após a anexação da Crimeia em 2014. Por causa das sanções europeias e norte americanas em 2015-2016, os oligarcas começaram a perder contratos no Ocidente. Putin ofereceu-lhes contratos para a modernização das forças armadas. Em seis anos, muitas indústrias entraram para o complexo financeiro-militar-industrial. Em vez das lutas entre oligarcas, começou a “aceitação militar” – um termo que significa a presença de militares a supervisionar a produção para o exército.

Este retorno à economia planeada foi assinalado por Putin, no Fórum Valdai.

Estaria esgotado o modelo de capitalismo existente. Para chegar a algo novo, é preciso olhar para trás, considerar exemplos de sucesso, a economia planeada não me assusta, declarou então.

Entretanto quem sofre é o povo russo. Os preços no comércio de retalho dispararam. As importações colapsaram. Regressam velhos fantasmas. Um deputado do partido no poder, Rússia Unida, sugeriu reintroduzir o crime de “especulação”, conforme o decreto de Lenine em julho de 1918, que só admite o comércio estatal. Fome não haverá ,mas as prateleiras começam a esvaziar-se.

O principal objetivo soviético era a autarquia, uma economia independente de países estrangeiros considerados inimigos. E, em grande parte, dada a grandeza de recursos da Rússia, conseguiram esse feito até 1991. Com rendimentos medíocres e apesar dos gastos militares.

O isolamento de 2022 não é um objetivo: é o preço a pagar pela invasão da Ucrânia. Com o controle  estatal de volta, os quadros de valor abandonam o país. Pelo menos 70.000 especialistas em tecnologias de informação, já o fizeram e apesar de Putin lhes oferecer residências gratuitas e isenção do serviço militar. Mas o decreto de 2 de março não teve efeito; prevê-se a saída de  mais 70.000 especialistas em abril.

A notícia do dia é que após negociações entre russos e ucranianos em Istambul, o vice-ministro da Defesa da Rússia, Alexander Fomin afirmou que Moscovo vai “reduzir a atividade militar na direção de Kyiv e Chernihiv para criar as condições para um acordo de paz. É um sinal ostensivo e que Moscovo reconheceu uma derrota militar tática. Na realidade, foram as forças militares ucranianas que derrotaram os russos Kyiv e Chernihiv e os invasores continuam apostados na conquista de Mariupol. A guerra continua dura e ainda não se sabe para onde vai pender a vitória militar estratégica.

Amanhã é outro dia.

Professor Doutor Mendo Henriques

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