Há uns anos, ao fim de quase duas décadas de emigração, quando comecei a pensar regressar a Portugal ou passar por cá períodos maiores de tempo, decidi ir procurar casa em “casa”.
Não sendo a minha cidade natal uma hipótese por causa dos preços (Lisboa), fiz como a maior parte de nós e fui averiguar na Margem Sul, onde vive boa parte da minha família. Lembro-me de ver umas maquetes de uns prédios em construção, ali perto do centro de estágio do Benfica (Seixal) e de comentar com o vendedor como achava tudo aquilo um absurdo e completamente fora do contexto real do país. Ele, obviamente feliz pela forma como corria a venda da maquete, dizia-me, a propósito do meu país de acolhimento, o seguinte: “olhe… ainda ontem saiu daqui um sueco velhote com a filha. Compraram um T4 por 800.000 euros. Onde amigo, onde, é que eu na minha vida alguma vez pensei vender um T4 no Seixal por 800.000 euros?”
De facto, não pensou ele e, imagino, ninguém que tenha crescido e vivido por ali, como foi o meu caso. A “praia” para onde fugíamos tentando evitar as aulas, ali pelo final do século passado, baptizada com um nome pouco abonatório que incluía o recurso a adjectivos escatológicos, é hoje uma “vista desafogada para a baía”.
Como imaginarão, fico contente com a reabilitação dos espaços urbanos, em especial nas zonas dos subúrbios que são, normalmente, pouco dadas a embelezamentos ou cuidados arquitectónicos. Mas há aqui toda uma matemática que, por mais que tentemos, não parece fazer qualquer sentido.
Portugal tem um salário médio de 1.200 euros brutos (aproximadamente) e isto significa que a nossa classe média, a existir, é pequeníssima. A não ser que consideremos que a classe média recebe pouco mais do que o salário mínimo. Se for essa a bitola, então temos um país quase sem pobres.
Se a maior parte dos portugueses vive com menos de 1.000 euros líquidos, como é que o preço médio de um apartamento com, por exemplo, 100 m2, vai de 445.700 euros em Lisboa a 285.700 euros no Porto? Ou até 230.600 euros em Faro e 193.300 euros em Setúbal?
Como é que isto é possível? Economistas defendem que há pouca construção e isso faz aumentar o preço dos imóveis disponíveis no mercado. É um facto que o nosso parque habitacional subiu pouco na última década (cerca de 1%), mas também não é menos verdade que a população é essencialmente a mesma. Entre entradas e saídas, mortes e nascimentos, continuamos a rondar os 10,5 milhões.
Se os portugueses com poder de compra são cada vez menos, os imigrantes que tanto incomodam o Ventura recebem salários miseráveis… Quem é que compra estas casas em Lisboa entre 500.000 e um milhão de euros? São todos suecos como o amigo do Seixal? Ou franceses? Árabes? Russos?
Segundo o Pordata, em Dezembro de 2023, Portugal tinha uma população estrangeira de 800.000 pessoas, das quais 30% seriam brasileiros. Admitindo que os brasileiros não são todos milionários, serão os restantes 70% compostos por golfistas ingleses e nómadas digitais australianos?
Quando me falam no mercado para justificar tudo, é quando o fumo começa efectivamente a chegar à zona das orelhas. “Se alguém paga o valor, é porque vale. É assim o mercado”. Esta é uma versão redutora e que serve, na realidade, para justificar o injustificável. Para distribuir lucros pornográficos por uma minoria e prender boa parte da população a créditos eternos.
Vi um prédio na Avenida do Brasil com apartamentos entre 300.000 e 1.200.000 euros. Dir-me-ão que tem melhores acabamentos, que os custos de produção aumentaram com a inflação, a guerra, e todo o novelo do costume. Mas, quando saímos de casa, do T3 que custa 1,2 milhões de euros, continuamos na Avenida do Brasil, não é? Com lixo a transbordar dos caixotes, merda de cão no passeio e marquises no prédio da frente. Não estamos na 5ª avenida ou nos Campos Elíseos. O preço surreal que o “mercado” atribui a uma casa em Portugal, seja esta no subúrbio ou no centro das cidades, é absolutamente incompreensível.
Os custos de construção aumentaram? Por acaso têm visto pedreiros e carpinteiros em ferraris? O que aumentou verdadeiramente foram as margens de lucro de quem constrói e vende. Alguém acredita que o custo de produção de um T3 em Lisboa se aproxima sequer do milhão de euros? Não é mais ou menos óbvio que as margens subiram para valores que ninguém consegue perceber e muito menos, pagar?
Nós, portugueses, chegámos a um ponto da nossa evolução em que não temos dinheiro para viver nas zonas onde somos forçados a trabalhar. Bem sei que devemos todos mudar para o interior onde tudo é mais barato e arranjar emprego na lavoura, mas eu ainda sou daqueles que defende que uma pessoa deve viver onde lhe apetecer, perto da família, do mar, da barragem, dos campos de girassóis ou na borda do rio. Um país não pode ter um parque habitacional onde o custo médio está muito, muitíssimo acima, daquilo que é o salário médio.
No outro dia, li algures que isto só lá vai com ocupações à força. Parece-me radical, até porque defendo o direito à propriedade privada (com regras). Ainda assim, não consigo aceitar que todos sejamos obrigados a viver em condições miseráveis para alimentar a especulação imobiliária ou então, em alternativa, sermos despejados para a porta da emigração.
Há algo mais a fazer para resolver a crise da habitação. Desde logo, simplificar o processo de construção e deixar o mercado da concorrência funcionar. Depois, dar algum uso ao imenso parque habitacional público. E por fim, nos casos da mais pura e nojenta especulação, não me venham com conversas de investidores e segurança de mercado. Há que taxar sem complexos. Já se faz no primeiro mundo, não precisamos de inventar a roda.
O que não podemos é continuar a viver em barracas enquanto pagamos palácios.
* Com a devida vénia a Tiago Franco e ao Págima Um
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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